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28 de fevereiro de 2024
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COP30 em Belém: Além das 11 Janelas

Belém, emerge como sede para a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, proporcionando uma janela de oportunidades para catalisar ações…

Belém, emerge como sede para a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, proporcionando uma janela de oportunidades para catalisar ações cruciais para o desenvolvimento de seu território. Este artigo de opinião explora as razões pelas quais Belém se apresenta como uma escolha propícia e como a cidade pode se beneficiar da realização desse evento internacional.

Em novembro de 2025, o Brasil sediará a 30ª Conferência das Partes da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30. Belém, capital do estado do Pará, foi escolhida pelo Governo Federal para receber o evento. O fato de esta edição acontecer em uma cidade amazônica, em um contexto de múltiplos desafios ambientais mundiais, certamente fará dessa, uma COP extraordinária.

De um lado, a realização da COP30 deve contribuir em divulgar para todo o mundo as riquezas naturais da Amazônia; de outro, confere a Belém a possibilidade de promover um retrofit na sua estética urbana, reconfigurando alguns caminhos através do redesenho de vias e um melhor aproveitamento do espaço construído. Pensar as cidades para as pessoas dialoga diretamente com a qualidade de vida e sustentabilidade ambiental de uma comunidade e ainda impulsiona o desenvolvimento turístico local.

Estes fatores consubstanciam a estratégia comum utilizada por sedes de grandes eventos ao longo da
história. Barcelona, na Espanha, é um exemplo desse raciocínio. A cidade passou por uma significativa transformação ao sediar os Jogos Olímpicos de Verão de 1992. Até então, enfrentava muitos desafios como uma orla subutilizada, áreas industriais obsoletas, e infraestrutura inadequada. A Olimpíada incentivou mudanças na estrutura urbana e na imagem que a cidade catalã passou a divulgar para Mundo.

Paris, que por sua vez sediará os jogos olímpicos desse ano, também tem aproveitado a ocasião para implementar uma série de mudanças na configuração de seu território, especialmente o que tange à mobilidade das pessoas. Mesmo sendo dotada de uma ampla rede de transporte de massa, que conta com 215 quilômetros de metrô (o dobro de São Paulo), além uma malha robusta de corredores exclusivos para ônibus, a capital francesa tem investido grandes esforços para praticar um conceito denominado “Cidade 15 minutos”, onde propicia-se que os principais deslocamentos diários de seus moradores e visitantes se deem a partir de uma caminhada ou pedalada de até um quarto de hora.

Desafios

Em que pese sejam eventos de matizes, complexidades e dimensões distintas, assim como Barcelona e Paris, Belém tem no front o desafio de se estruturar para receber a COP30 e seus milhares de participantes sem descuidar da construção de um legado para seu povo e história. Fundada em 1616 como povoado português Feliz Lusitânia, Belém tem seu centro histórico localizado ás margens da Baía do Guajará e abriga pontos de interesse turístico como Estação Docas, Mercado Ver-o-Peso, Forte do Presépio, Centro Cultural Casa das Onze Janelas – o edifício mais belo na minha opinião – e outra centena de edifícios e palácios coloniais.

Um acervo arquitetônico raro de se observar, mas nem sempre com um bom estado de conservação. Barracas de vendedores ambulantes e letreiros comerciais apelativos escondem as fachadas dos prédios e bloqueiam a beleza que elas inevitavelmente trariam à paisagem urbana, mesmo com suas cores desbotadas pelo rito belenense diário de sol e chuva. Com mais de 1,3 milhão de habitantes, Belém lida com a necessidade de encarar uma mudança de paradigmas urbanos, que integre os instrumentos de gestão, os subordine aos princípios da sustentabilidade ambiental e promova inclusão social. Para os visitantes que chegam na cidade, o maior impacto negativo é percebido pelos problemas com saneamento básico e mobilidade.

De acordo com o ranking do Instituto Trata Brasil, Belém ocupa apenas a 95ª posição em cobertura de
saneamento entre 100 municípios pesquisados. Canais abertos cruzam o território em direção ao rio e o que poderia ser uma vantagem no desenho urbano, se transformou ao longo do tempo em um passivo de complexa solução. Além da estética degradante de esgoto a céu aberto, o acúmulo de lixo e resíduos
nas margens, inevitavelmente, tiram pontos da imagem da cidade.

Com a mobilidade urbana não é diferente. A rede de transporte público é operada por empresas privadas sem qualquer tipo de contrato formal com o poder gestor. O sistema não tem integração tarifária entre as linhas, tão pouco com outros modos de transporte. A capital com maior índice pluviométrico do País e com altas temperaturas, próprias de um clima equatorial, conta com poucos abrigos nas paradas de embarque e desembarque dos ônibus. Estes, por sua vez, são antigos, deteriorados e não oferecem ao passageiro padrões adequados de conforto e segurança.

A ampliação da acessibilidade no bojo de uma política de mobilidade urbana não pode ser vista de forma
isolada, pois trata-se de fomentar a humanização dos espaços construídos e deve ser perseguida sem
descanso. As calçadas e passeios são elementos centrais nesse processo e, mesmo na zona turística de
Belém, são descontínuos e não obedecem a um padrão de pavimentação, sinalização, iluminação
dedicada, inclinação para drenagem, dentre outros atributos de qualidade.

Canaletas entre os meios-fios e as camadas de massa asfáltica das pistas de rodagem, se transformam em
verdadeiros obstáculos, desestimulando o caminhar em uma cidade plana e com ruas sombreadas por
mangueiras e outras árvores de copas densas. A prefeitura de Belém afirma ter uma rede de ciclovias e
ciclofaixas com mais de 100 quilômetros de extensão, uma dimensão muito tímida para as aptidões
topográficas do município.

Para o escritor e pesquisador estadunidense Dan Buettner, idealizador do premiado programa Blue
Zones, redesenhar as ruas com melhores calçadas, ciclovias e caminhos seguros para deslocamentos a
pé e de bicicleta, é muito mais eficiente que depender da mudança de comportamento dos indivíduos
para melhorar a saúde e o meio ambiente das comunidades. Tornar os cidadãos mais ativos deveria se
configurar em uma das principais metas de planejamento urbano.

Janela de oportunidades

A COP30 não pode ser encarada apenas como uma importante conferência internacional, mas também
como uma oportunidade para engajar a comunidade local e conscientizar os cidadãos sobre a importância da sustentabilidade, incentivando a participação ativa na construção de uma cidade ainda mais ecológica.

Belém tem plenas condições de deixar um legado duradouro de compromisso com a sustentabilidade. Os investimentos em macroestruturas propostos pelos governos federal, estadual e municipal, precisam se somar a ações táticas de urbanização, que não apenas produzirão benefícios à cidade durante o evento, mas também poderão qualificar a cidade como modelo para outras urbes com condições socioeconômicas equivalentes, sobretudo no Brasil e América Latina.

O urbanismo tático é uma abordagem que tem total aderência com a pauta da COP. Redesenhar espaços urbanos oferece uma solução criativa para parte dos desafios enfrentados por Belém. Algumas iniciativas neste sentido podem ser inseridas na complexa equação custo x tempo, tendo em vista que faltam pouco mais de 20 meses para o início do evento.

A janela que se abre com a COP30 enseja a transformação de espaços subutilizados em pontos de interesse para as pessoas, o que elevaria a um outro patamar a estética urbana de Belém. Além de mostrar sua capacidade em sediar um evento internacional dessa magnitude, a capital do Pará pode vir a ser um exemplo inspirador de modelo de cidade.

Olmo Xavier é arquiteto e mestre em mobilidade pela UFG.

1 https://mapa-metro.com/pt/França/Paris/Paris-Metro-Mapa.htm
2 https://tratabrasil.org.br/wp-content/uploads/2023/03/Versao-Final-do-Relatorio_Ranking-do-Saneamento-de2023-2023.03.10.pdf
3 BUETTNER, Dan. The blue zones: 9 lessons for living longer from the people who’ve lived the longest. National Geographic Books, 2012



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