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27 de junho de 2022
Inovação

ÔNIBUS ELÉTRICO NO BRASIL

Por Miguel Angelo Pricinote O Brasil conta hoje com frota praticamente inexistente de ônibus elétricos a bateria (48 ônibus elétricos…

Por Miguel Angelo Pricinote

O Brasil conta hoje com frota praticamente inexistente de ônibus elétricos a bateria (48 ônibus elétricos – i.e. 0,09% de share de produção e 0,04% de share na frota total de ônibus urbanos, em um universo de uma frota de mais de 107 mil ônibus urbanos no país). Em 2020, foram produzidos apenas menos de 20 ônibus elétricos no país, mesmo frente a uma capacidade instalada anunciada de pouco mais de 700 chassis/ano. As importações, por sua vez, foram nulas. Tais dados contrastam com a realidade de outras cidades latino-americanas, como Santiago, que conta com 776 ônibus elétricos e em breve 991 adicionais já adquiridos, e Bogotá, onde circulam em torno de 650 ônibus elétricos e 830 serão implantados em 2022.

Por outro lado, há demanda efetiva e potencial por tais ônibus no país, concretamente de 3.119 ônibus elétricos até 2024 (i.e. 44% superior à capacidade da produção doméstica). Tal demanda, certamente subestimada, é calculada com base nos compromissos assumidos por São Paulo/SP, Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA, Curitiba/PR, Campinas/SP e Niterói/RJ, que totalizam 925 ônibus elétricos em 2022; 1.177 em 2023; e 1.017 em 2024.

Detalhamento do contexto dos compromissos e metas assumidos por municipalidades brasileiras para adoção de frota de ônibus urbanos coletivos elétricos a bateria (Base: Dezembro/2021)

SÃO PAULO/SP – tenta avançar há quase uma década no aumento da frota de ônibus elétricos e na gradual substituição/renovação da frota a diesel pela frota elétrica. Instituiu sua política de mudança do clima há mais de 10 (dez) anos, em 2009, por meio da Lei nº 14.933/2009, alterada pela Lei nº 16.802/2018185. O art. 50 do referido diploma legal dispõe que os operadores dos serviços de transporte coletivo por ônibus, integrantes do Sistema de Transporte Urbano de Passageiros do Município de São Paulo, bem como as empresas que prestam serviços de coleta de Resíduos Sólidos Urbanos e Hospitalares (lixo) no Município de São Paulo, deverão promover a redução progressiva das emissões de dióxido de carbono (CO2) de origem fóssil, e de outros poluentes tóxicos produzidos na operação de suas respectivas frotas, por meio da utilização gradual de combustíveis e tecnologias mais limpas e sustentáveis. Nesse sentido, a Lei Municipal n⁰ 16.802/2018 estipulou que as emissões de escapamento CO2 fossem zeradas no prazo de 20 (vinte) anos a partir de sua publicação. A normativa ainda dispõe sobre o uso de fontes motrizes de energia menos poluentes e menos geradoras de gases estufa (“GEE”) na frota de transporte coletivo urbano de São Paulo, estabelecendo que toda a substituição de veículo deve trazer um impacto poluidor menor que o do veículo substituído.

Além disso, as emissões de CO2, micropartículas e óxidos de nitrogênio deverão ser zeradas de forma faseada: (i) nos dez primeiros anos de sua vigência (ou seja, até 2028), a redução global das emissões de CO2 deve sofrer uma redução de 50% e, (ii) em 20 anos (até janeiro de 2038), a frota não poderá emitir mais nenhum CO2 de origem fóssil. Importa frisar ainda que a Prefeitura de São Paulo se comprometeu, no bojo do seu Programa de Metas de 2021-2024 que ao menos 20% da frota seja composta de ônibus elétricos (Meta 50) até dezembro de 2024, o que corresponde exatamente a 2.600 ônibus elétricos.

RIO DE JANEIRO/RJ, por sua vez, incluiu como uma das metas priorizadas da Ação Climática substituir 20% da frota do Serviço Público de Transporte de Passageiros por Ônibus (SPPO) por veículos não-emissores até 2030, e, até 2050, alcançar 100% da frota do SPPO composta por veículos não-emissores, em linha com as obrigações assumidas pela Cidade do Rio de Janeiro por força do Decreto Municipal n° 46.081/2019 (Decreto Ruas Verdes e Saudáveis).

SALVADOR/BA, no seu Plano de Ação Climática (PMAMC) de Salvador 2020-2049 elencou como ação do eixo estratégico de longo prazo (até 2049) renovar 100% das frotas de transportes públicos com veículos menos poluentes. Como meta intermediária (de “mitigação”), até 2032, o Município adotou como meta contar com 40% da frota de transporte público movida a veículos mais limpos e eficientes. O município ainda incluiu em seu planejamento estratégico ter 30% de ônibus elétricos na rede do BRT até 2024

CURITIBA/PR, está prevista a entrada em operação dos ônibus elétricos nos projetos do itinerário do Novo Inter 2, com financiamento já formalizado junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e no corredor Leste-Oeste, com linha de crédito em negociação com o New Development Bank (NDB). A meta anunciada é ter 100% das linhas Inter 2 e Leste-Oeste operando com ônibus elétricos em 2024, segundo o presidente do IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba), Luiz Fernando Jamur. A substituição para o modal elétrico será gradativa. Os estudos estão sendo feitos conforme a disponibilidade dos fabricantes e modelos de ônibus elétricos existentes em operação. Essas iniciativas de Curitiba estão em linha com as diretrizes do Plano de Adaptação e Mitigação das Mudanças Climáticas de Curitiba (PlanClima) e com o Programa de Mobilidade Sustentável traçado pelo município em conjunto com o WRI – o qual prevê, dentre suas metas, que, até 2030, 33% da frota seja de zero emissão, e, em 2050, 100%.

CAMPINAS/SP, uma das maiores cidades do interior de São Paulo, também já desenvolve projeto para incorporar 309 ônibus elétricos à sua frota operacional. Atualmente, conta com 13 ônibus elétricos, do tipo Padron. Em 22/11/21, foi publicada proposta de novo edital da licitação do sistema de ônibus, com previsão de concentração das operações em dois lotes, com investimentos de R$ 1,2 bilhão. O edital prevê a instalação de infraestrutura adequada para esse modal, com a instalação de uma estação central de recarga das baterias e de uma estação de geração de eletricidade via energia solar. No primeiro ano de concessão, será mandatório que as empresas coloquem em operação 85 ônibus elétricos, sendo que esta frota deve ser ampliada gradualmente, ano a ano, até alcançar o patamar de 309 ônibus elétricos à bateria em 2025 – cerca da metade de todo o sistema previsto.

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS/SP: A Prefeitura da cidade apresentou, em agosto/2021, projeto do primeiro ônibus articulado elétrico do país. O veículo irá trafegar por um corredor de ônibus denominado Linha Verde, que vai interligar as regiões sul e leste (as mais populosas da cidade), bem como a região central. O principal objetivo da Prefeitura é inovar com ações de sustentabilidade e preservação do meio ambiente

Para Mercedes-Benz do Brasil No Brasil, a demanda por ônibus elétricos – embora real — ainda é incipiente, representando menos de 400 unidades licitadas por órgãos públicos até o momento. Apesar de existirem compromissos de seis municipalidades para aquisição de ônibus elétricos, Mercedes-Benz tem apenas conhecimento de três editais para efetiva aquisição ou locação: as licitações (i) da Prefeitura de São José dos Campos (SP); (ii) do Estado da Bahia; e (iii) da Prefeitura de Cascavel (PR); adiante comentadas.

São José dos Campos. A Urbanizadora Municipal S/A (“URBAM”), empresa pública vinculada à prefeitura de São José dos Campos, lançou edital para a locação de ônibus elétricos e a respectiva infraestrutura de recarga e suporte com fornecimento de energia elétrica (Doc. VII.i.a – Edital SJC). O pregão eletrônico prevê o fornecimento de 350 veículos durante a vigência do contrato de 10 anos, através do qual o vencedor também será responsável pela manutenção preventiva e corretiva dos veículos e dos carregadores elétricos. Os veículos e a disponibilização dos pontos elétricos de abastecimento em plenas condições operacionais deverão ser entregues gradualmente, conforme o cronograma de entregas que será apresentado pela empresa vencedora do certame no julgamento das propostas.

Já em relação ao Estado da Bahia. A Superintendência de Infraestrutura e Transportes (“SIT”), vinculada à Secretaria de Infraestrutura do Governo do Estado da Bahia (“SEINFRA”), lançou pregão eletrônico no 001/2022 para a aquisição de 20 ônibus elétricos e a respectiva infraestrutura de recarga e suporte com fornecimento de energia elétrica (Doc. VII.i.b – Edital Bahia). O pregão eletrônico prevê o fornecimento de treinamentos para operação do veículo e assistência técnica, exigindo a presença física da contratada em local especializado indicado para realização de revisões obrigatórias e manutenção.

Em Cascavel-PR. A Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão, vinculada ao Governo Municipal de Cascavel, lançou pregão eletrônico para formação de registro de preços de futura e eventual aquisição de 10 ônibus elétricos (Doc. VII.i.c – Edital Cascavel). As obrigações da contratada incluem a manutenção de uma rede de assistência técnica autorizada para realização de serviços nos ônibus elétricos, sendo de sua responsabilidade substituir, reparar e corrigir o veículo com avarias e defeitos.

Conforme se depreende dos editais, a simples importação dos ônibus elétricos não deverá atender a demanda brasileira por infraestrutura. Além de oferecer o produto, as empresas contratadas deverão fornecer soluções para pontos elétricos de abastecimento, treinamento de pessoal para operação, além de revisões obrigatórias e manutenção dos veículos.

Nesse sentido, em janeiro de 2022, a BYD passou a integrar um estudo de viabilidade técnica e econômica para circular no Eixo Anhanguera em Goiânia (GO). O objetivo da iniciativa do Governo do Estado de Goiás é estudar, em parceria com a fabricante nacional, a necessidade de implementar uma infraestrutura operacional para os ônibus elétricos. Nesses termos, o Governador Ronaldo Caiado alertou: “(…) o atual governo chegou a discutir a compra de 100 ônibus novos para a Metrobus. ‘Aí pensei: será que é só isso que nós temos que fazer? Será que é só comprar uma frota nova? Não.’ (…) O governador ressalta que o projeto não será apenas a compra de ônibus elétricos, mas sim a mudança do conceito de transporte coletivo em Goiânia.”

Dessa forma, o estudo no estado de Goiás auxilia a indústria doméstica na verificação da autonomia do veículo, com avaliação do tempo de carregamento, custo da operação, além de treinamentos internos e aprimoramento dos conhecimentos a respeito dos eventuais desafios de uma frota elétrica no Brasil.

A contratação dos ônibus elétricos no País ainda é, portanto, incipiente e exige – além do produto – a instalação de infraestrutura de base, além da prestação de serviços técnicos especializados que apenas a indústria doméstica oferece. A eventual liberalização ora pleiteada oneraria os cofres públicos, por criar custos imensuráveis para que os estados e municípios – ao adquirir ônibus elétricos importados – que ficariam também responsáveis por implementar a infraestrutura operacional sem qualquer auxílio de equipe especializada, que já estudou as peculiaridades do mercado nacional e é capaz de endereçar as dificuldades de implementação da infraestrutura brasileira para veículos elétricos.

PANORAMA SOBRE O MERCADO INTERNACIONAL DA MERCADORIA, EM ESPECIAL A EVOLUÇÃO DOS PREÇOS NOS ÚLTIMOS 3 ANOS

A baixa adesão ao modelo elétrico no Brasil contrasta fortemente com a experiência em outros países latino-americanos, nos quais se observa um crescimento acelerado do mercado de ônibus elétricos – não obstante o Brasil tenha o maior Produto Interno Bruto da América Latina, a maior população, a maior frota de ônibus, e teoricamente, maior nível de desenvolvimento e diversificação econômica.

Colômbia, México e Chile (por meio de acordo bilateral com a China), por exemplo, lograram fomentar um rápido crescimento e desenvolvimento da frota de ônibus elétricos. Um dos pontos em comum entre Colômbia e México foi o fato de terem implementado isenções ao imposto de importação sobre ônibus elétricos – por meio do Decreto Colombiano no 1116 de 29/06/2017 e do Decreto Mexicano de 03/09/2020, que lhes possibilitou avançar mais rapidamente na transição para uma frota de ônibus zero emissão.

Mais especificamente, vale mencionar a experiência das cidades de Santiago (Chile) e de Bogotá (Colômbia) – nas quais foi adotado um modelo de negócio inovador para evitar a barreira do alto custo de capital inicial para o operador, que não foi o responsável pela aquisição do ônibus ou da bateria, podendo entrar em diferentes tipos de negócios com investidores:

Santiago: conta com 776 ônibus elétricos (a maior frota de ônibus elétricos fora da China), todos viabilizados dentro dos contratos de concessão dos operadores com o DTPM (Directorio de Transporte Público Metropolitano) e sem aumentar a remuneração desses atores e impactar a modicidade tarifária. Aplicou-se um modelo de negócio inovador que separa a propriedade dos ônibus de sua operação, utilizando-se de garantias financeiras oferecidas pelas autoridades locais. Recentemente foram adquiridos 991 ônibus elétricos adicionais através de uma licitação que implementa um modelo similar.

Bogotá: conta com uma frota de aproximadamente 650 ônibus elétricos, e 830 mais já foram adquiridos através de processos licitatórios que incluíram a participação de investidores privados e a separação da propriedade e da operação dos veículos.

Medellín (Colômbia): em 2019, apoiada pela C40, adquiriu 64 ônibus elétricos para seu sistema BRT, e está trabalhando na transição do restante da frota dos operadores privados, movimento que vem sendo estudado por outras cidades colombianas para eventual transição para ônibus elétricos.

Cidade do México: está avançando a passos largos na introdução de ônibus elétricos em seu sistema BRT. Atualmente, a Cidade do México conta com 346 ônibus elétricos (cf. dados E-Bus Radar de outubro/2021), sendo 336 de trólebus, e 10 e-bus articulados.

Convém mencionar que o próprio governo Argentino – não obstante a existência do ACE-1458, o qual, vale registrar, não prevê atualmente nenhum instrumento regulamentado no Brasil apto a possibilitar a apresentação e a consequente aprovação de um pleito de redução tarifária para ônibus elétrico a bateria, já que não se trata de autoparte não-produzida – tem adotado, nos últimos anos, políticas em favor do desenvolvimento do mercado de ônibus elétricos naquele país, a começar pela implementação de uma redução do imposto de importação para ônibus elétricos por meio do Decreto Presidencial nº 51/2018, o qual autorizou a princípio a importação de 350 ônibus elétricos a motor elétrico com redução a zero do imposto de importação, com planos para, ato seguinte, implementar incentivos ao desenvolvimento da produção nacional de ônibus elétricos em solo argentino.



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